Entrevista com Gloria Pires, atriz de “Nise – O Coração da Loucura”

by ALEX GONÇALVES - No site Cine Resenhas


Em 2013, Gloria Pires não se deixou abater pelo desafio de viver uma grande figura brasileira em “Flores Raras“, a arquiteta Lota de Macedo Soares. Tratou-se de um trabalho que a atriz persistiu durante anos para que ganhasse a vida sob a direção de Bruno Barreto. Já em relação a médica psiquiatra Nise da Silveira, o desafio parece mais amplo, pois Gloria Pires não a conhecia com profundidade.
Não que seja um problema para ela, uma das maiores intérpretes do nosso cinema e teledramaturgia. Gloria tira de letra o papel de Nise e ainda permite ao elenco de apoio o espaço para brilhar. Em entrevista cedida pela Agência Febre, a atriz compartilha a experiência em retratá-la no cinema.

O que mudou na sua vida depois de conhecer a história de Nise? Você incorporou alguma atitude ou pensamento dela no seu dia a dia?
A história de sua vida se tornou um alento. Sua resiliência diante das dificuldades que enfrentou, tanto em sua vida pessoal, quanto profissional, me serve como referência, a cada pedra que surge em meu caminho.

Para você, o que foi determinante para aceitar o papel?
Atrai-me muito poder trazer ao público uma história inspiradora. Procuro não desperdiçar essas oportunidades.

Como esse papel é diferente dos outros que você já fez no cinema?
Cada projeto é único, com seu próprio método. Sendo o primeiro trabalho de ficção do Roberto, possibilitou muita integração entre nós dois. Isso foi muito diferente de outros trabalhos que já fiz: em vez de eu “me meter” no roteiro, ele me questionava, o tempo todo, o que tornava o pós- filmagem diário em leitura e pesquisa, para o próximo dia. Intenso e muito vivo!

Poderia falar um pouco sobre o seu processo criativo para viver Nise no cinema?
Buscava reproduzir, de alguma maneira, o que imaginava ter sido sua rotina, e os caminhos que percorreu, física e intelectualmente, diariamente por 30 anos (tempo que trabalhou no hospital psiquiátrico Pedro II). Fiz, também, uma rigorosa dieta, e tive o apoio da Fono Maria Silvia Siqueira Campos, com exercícios que “protegiam” minhas cordas vocais das condições insalubres do set e do preparador de elenco Tomas Rezende, com exercícios sensoriais.

Teve alguma curiosidade ou fato da vida de Nise que te chamou mais atenção ou que te tocou de alguma forma? O que foi e por quê?
Sim, algo que me tocou profundamente e sempre me faz pensar como a vida pode ser tão curiosa: quando Roberto me convidou para fazer Nise, já estava há 17 anos aguardando a produção de Flores Raras, onde interpretei Lota de Macedo Soares. Pois não é que foi o tio-avô de Lota, José Carlos de Macedo Soares – Ministro da Justiça na época, que ordenou a libertação de quase 300 pessoas detidas sem processo, entre as quais estava Nise da Silveira? E ainda: filmei Nise e, logo a seguir, Flores Raras. Mas só fui ligar o nome à pessoa, ao visitar uma exposição de dois clientes da Dra, alguns anos depois, aonde o episódio “a macedada” foi comentado.

Qual é a importância da arte no trabalho da Nise?
Embora fosse amante das artes plásticas, e reconhecesse a qualidade artística de alguns dos seus clientes, ela não via essas obras como expressão artística, mas como meio de comunicação de seus conflitos, dores, medos e a evolução de seus estados mentais. Se para as pessoas com capacidade mental “normal” era difícil expressar verbalmente suas aflições, para aqueles que haviam sido expostos a todo tipo de sofrimento, era impossível. Aí entra a expressão pelas artes. Para a “leitura” dessas obras, ela era pesquisadora incansável e usava todo o seu background intelectual.

O que você acha da recepção que o filme está tendo até agora nos festivais no Brasil e no exterior?
Acho que a boa recepção se deve ao belo filme que Roberto concebeu. Além do quê, o filme traz mensagens importantes para os dias que vivemos, especialmente: olhar nos olhos do outro; saber que “o livro sem o coração não serve de nada”; que o afeto é o que diferencia uma existência útil de uma existência vazia.

Por que você acha que as pessoas devem ver esse filme?
É um belo filme, sem pieguices nem ostentação. É belo, porque o é.

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