No aniversário da Globo,estrelas na faixa dos 50 anos falam como é chegar na idade no auge

Marcos Palmeira, Gloria Pires, Marcello Novaes, Julia Lemmertz e Alexandre Borges relembram momentos marcantes vividos por eles na emissora.  

POR JOÃO FERNANDO 


RIO-"Relaxa, aqui é tudo brincadeira”. Foi dessa forma que a já veterana Regina Duarte definiu o que era trabalhar em televisão para o então iniciante Marcos Palmeira, tenso ao contracenar com a atriz em uma sequência de “Vale tudo”, quando ele tinha 25 anos. 

— Eu interpretava um jornalista que ia entrevistá-la. Quando peguei um copo, comecei a tremer e ela sacou. O Ricardo Waddington, que estava na direção, falou: “Está nervoso na frente da deusa?”. Ela pediu para refazer — relembra o ator. 

Marcos, hoje com 51 anos, começou a entender o significado de fazer televisão desde novo. Assim como ele, Gloria Pires, Marcello Novaes, Julia Lemmertz e Alexandre Borges, todos atores consagrados, e nascidos na mesma época da criação da emissora, têm propriedade para contar parte da história da Globo. Reunidos pela Revista da TV para marcar as comemorações das cinco décadas do canal, eles falam sobre a chegada da idade redonda, a relação com a Globo e lembram ainda momentos importantes como atores e espectadores. 

Na emissora desde criança, quando atuou em “Selva de pedra” (1972), Gloria afirma se sentir tranquila aos 51. 

— Esse grande questionamento me pegou aos 30 (risos). Eu me sinto muito bem aos 50 anos. Hoje sou muito realizada em vários aspectos, nos quais eu não era aos 30. A experiência traz muitas vantagens e uma visão diferente sobre a vida — explica a Beatriz de “Babilônia”. 

TV COMO BABÁ ELETRÔNICA 

Gloria conta que, quando não estava em frente às câmeras, no tempo de atriz mirim, costumava assistir à primeira versão de “A grande família”, exibida de 1972 a 1975. 

— Sempre fui fã da Eloísa Mafalda e do Brandão Filho (1910-1988). Além de adorar Osmar Prado e Luís Armando Queiróz (1945-1999) — lista Gloria

Alexandre, o mais novo do quinteto, com 49, que começou a dar expediente na TV já adulto, também tem lembranças da infância como telespectador da emissora. 

— A TV sempre foi uma babá eletrônica. Como meus pais trabalhavam, eu ficava muito em casa. A primeira coisa que me marcou foi “Irmãos coragem” (1970) uma novela com muita ação. Tarcísio Meira virou meu ídolo. E acompanhei clássicos como “Gabriela” (1975), “Saramandaia” (1976) e “Selva de pedra” (1972). Olhava e pensava “Um dia, vou fazer isso aí”. Por isso, tenho muito prazer em fazer novelas — conta ele, há 21 anos no canal. 

Mulher do ator, Julia, de 52 anos, viveu uma situação oposta com a mãe, a também atriz Lilian Lemmertz (1937-1986), que a levava com frequência para as gravações, na época em que as novelas eram rodadas em estúdios no Jardim Botânico. 

— Não via muita novela porque minha mãe não me deixava. Mas na minha adolescência, passava pela Globo — relembra ela, que diz ter sentido a diferença quando Lilian começou a trabalhar na emissora, em “Baila comigo” (1981) e encarnou a primeira Helena do autor Manoel Carlos: — Ela já era uma atriz conhecida em São Paulo. Porém, quando foi para a Globo, parece que foi descoberta. E já estava com mais de 40 anos. 

Habituado aos bastidores da TV antes de se tornar ator, Marcos frequentava a Globo por causa do tio, o humorista Chico Anysio (1931-2012). Para ele, ter construído uma carreira no canal fez a diferença na vida profissional. 

— A Globo me deu estabilidade, pois o brasileiro é da novela. Eu me lembro do meu tio falando da importância de fazer novela para aprender a entender o texto. Há diretores da TV com mais trabalhos do que cineastas consagrados. Eu não me sinto menosprezado em ser anunciado como um “ator global” — aponta ele, que ficou um período fora da emissora para fazer “Pantanal” (1990), na extinta Manchete, e desde 2007, quando atuou em “Mandrake” (2007), na HBO, tem contrato por obra com a Globo.

EXPERIÊNCIA 

Para Marcos, ter ser tornado um cinquentão não é apenas motivo para lamentar as rugas e os poucos fios grisalhos que mostra atualmente como o Aderbal da novela “Babilônia”. 

— Como ator, o tempo ajuda. São novos desafios, a gente vai rompendo vaidades, se aprimorando. Acho que hoje somos atores melhores — defende, referindo-se aos colegas Alexandre e Marcelo, que reencontrou durante a entrevista, no Projac. 

Pronto para integrar “Favela chique”, próxima trama das 21h, de João Emanuel Carneiro, Marcello acredita que a chegada dos 50 causa inquietude. 

— Quanto mais tempo a gente está no ar, mais responsabilidade tem. Os papéis vão aumentando, a gente se cobra. Que coelho vou tirar da cartola se já usei tantos? O próximo trabalho tem sempre que ser diferente de tudo o que fiz. Mas o tom de voz e o corpo são os mesmos. Isso gera uma ansiedade. Eu só fico tranquilo depois do terceiro mês de uma novela — confessa o ator, que completará 53 este ano. 

Julia, que se prepara para “Além do tempo”, próxima novela das 18h, engrossa o coro sobre a necessidade de se reinventar nessa fase da vida. 

— Não quero perder de vista o inesperado. Todo ator se prepara à medida que trabalha. Quero ter essa disponibilidade de começar do zero. A gente tem que pensar na renovação, de buscar o que não conhece. Não quero ser a atriz que faz sempre o mesmo papel. 

Egresso do teatro, Alexandre sente a mesma necessidade. Mas o ator também reconhece o impulso dado pelo fato de ser contratado pelo canal: 

— Cresci financeiramente na carreira. Para o ator brasileiro, a TV é um divisor de águas. Comecei há 30 anos, morando em pensão e comendo uma vez por dia. A gente sabe da instabilidade. 

O ator cita colegas da velha guarda, como Tarcísio Meira, Lima Duarte e Tony Ramos para dizer que aprendeu a não se iludir com exposição que a emissora lhe dá. 

— Essa geração é abençoada. Eles souberam acolher quem chegava e têm essa coisa do pé no chão, sem o glamour exagerado. Tem gente que vem fazer TV e coloca óculos escuros. É fácil se perder — sentencia Alexandre. 


IMPROVISO 

Gloria lembra que, em suas primeiras novelas, havia mais improviso e as condições de produção eram outras. 

— Íamos para as externas, onde trocávamos de roupa e nos maquiávamos numa Kombi — resgata a atriz, que faz graça ao reclamar das transmissões em alta definição: — Temos que lidar com uma definição de imagem muito mais nítida, que não deixa escapar nada. Isso não foi feito para ser usado em seres humanos, foi criado para vermos a relação sexual dos insetos (risos). E não posso negar o impacto da internet. Hoje, recebemos roteiros on-line e sabemos das mudanças que ocorrem no dia a dia com mais rapidez. 

Além da evolução técnica no cotidiano dos atores, houve avanço no alcance da transmissão, o que possibilitou que as novelas fossem vistas em pontos distantes do país.

— Acho que a Globo unificou o Brasil, trouxe uma identidade para o brasileiro, deu consciência do que é o país. Para alguns, é a única referência — ressalta Alexandre. 

Marcello diz que levar cultura aos rincões isolados do país não é o único ponto das novelas, que lidam com questões por meio do merchandising social, como são chamados os assuntos delicados. Em 2001, ele estava no núcleo que tratava de dependentes químicos, em “O clone”. 


— A gente cumpre um papel social. As pessoas me paravam na rua para dizer que ajudei os pais ou os filhos delas. Fiquei feliz por ter mexido com várias classes — relembra ele, que ganhou notoriedade internacional após “Avenida Brasil” (2012) ser exibida em outros países: — Em Portugal, o assédio era pior do que aqui. 

Os próprios atores se sentem influenciados pelas histórias mostradas na TV. Palmeira ficou surpreso ao fazer pesquisas para interpretar o pescador Guma, de “Porto dos Milagres” (2001), trama que misturava mitologia e religiosidade. 

— Descobri um lado da minha família ligado ao candomblé que era sigiloso — revela. 

Assim como o público, que consome conteúdo pela internet, os atores também vêm aderindo às novas maneiras de ver TV. 

— Eu vejo novela pelo Globo.com, raramente estou em casa no horário. Assisti a “Amores roubados” (2013) assim. A TV está se adaptando a algo que a gente não sabe o que é — analisa Julia, que vê com otimismo a mudança: — A TV vai mudar numa velocidade incrível, mas as pessoas vão querer ver o folhetim, uma história que tenha romance. 

Alexandre concorda: 

— Por mais que tudo tenha avançado, ainda é uma coisa artesanal. Não há tecnologia que supere o humano, a emoção. 

 Sem se saber quais os rumos das novelas, Gloria só quer seguir na TV. 

— Espero ter mais 50 anos pela frente, tenho muitos planos.

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