Gloria Pires: "Sou capaz de ser intratável, cruel e vingativa"

Uma entrevista reveladora que Glorinha fez para a revista Quem acontece (04/04/2007). Vale a pena Ler de novo e conhece - la um pouco mais.

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Revelações sobre o bem e o mal

Glória Pires, de volta à TV em Paraíso Tropical, fala com exclusividade a QUEM sobre família, abortos, sua doutrina espiritual, sexo e carreira

POR CARLA GHERMANDI

A atriz nos jardins de seu escritório, na Barra da Tijuca, no Rio. Com aparições ainda esporádicas em Paraíso Tropical, na pele de Lúcia, mulher independente e mãe solteira que vai se envolver com os personagens de Marcello Antony e Tony Ramos, a atriz Glória Pires, de 43 anos, volta a uma novela das 8 da Globo menos de um ano após seu último trabalho, em Belíssima. Na semana passada, gentil e muito sorridente, Glória conversou com QUEM numa ampla casa que mantém na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, a qual funciona como escritório dela e do cantor Orlando Morais, seu marido. Em cerca de três horas de papo, ela deu uma das entrevistas mais contundentes de sua carreira, em que revelou um lado que ninguém conhece ('Sou capaz de ser cruel com as pessoas'), expressou sua fé religiosa no kardecismo ('Estamos todos aqui aprendendo, limpando carmas, tentando melhorar com as oportunidades que aparecem') e relembrou o momento triste pelo qual sua família passou, em meados de 1998, quando circulou um boato de que seu marido estava tendo um caso com sua filha Cleo, na época com 15 anos ('Hoje somos mais fortes, temos uma relação muito mais coesa do que já tínhamos. Mas, no momento do sofrimento, a gente tem ódio, quer matar as pessoas, quer ir lá e furar pessoalmente cada olho, arrancar cada dente a sangue frio').

QUEM: Você é bonita, bem-sucedida, tem uma bela família. Tudo parece perfeito na sua vida. Como é o seu lado B, aquele que ninguém conhece?
GLÓRIA PIRES: É o pior que pode existir. Mas não o deixo aflorar. Rezo, leio, sigo a minha doutrina espiritual, que é o que me orienta e me segura. Mas tenho uma ira dentro de mim que, se eu deixar sair, Nossa Senhora... Sou capaz de ser intratável, de ser cruel com as pessoas, de ser maledicente, vingativa. Tenho isso dentro de mim de uma maneira muito forte.

QUEM: Você já se arrependeu de ter posto esse lado para fora?
GP: Já. Amo gatos e, quando era pequena, tinha um. Devo ter segurado de alguma forma que ele não gostou, e ele me arranhou e me mordeu. Peguei esse gato pelo rabo e o rodei tanto, tanto. Não me lembro o que aconteceu depois, mas essa imagem nunca saiu da minha cabeça. Não tive a oportunidade de ser cruel fisicamente com alguém porque era pequena. Não tinha capacidade, mas percebi cedo que esse era um lado com o qual não queria ter contato. Ele ainda existe, mas está domado.

QUEM: Essa ira nunca se manifestou na sua maturidade?
GP: Foi uma coisa da infância. Depois, só tinha as ganas. Meu trabalho também me ajudou muito nisso: nas cenas de fúria, eu extravasava. Uma vez, em Vale Tudo, quebrei um cenário inteiro. Foi maravilhoso! Teve uma época em que pratiquei kick boxing. Nunca mais sonhei que estava batendo em alguém (risos).

'As dificuldades são as melhores molas que a gente pode ter. É o tipo de coisa que nos faz aprender a saltar.'

QUEM: Você sonhava que estava batendo nas pessoas?
GP: Sonhava, até acordava cansada. O anjinho e o capetinha estão dentro de todo mundo. Gandhi, para mim, é um grande exemplo. Teve, na adolescência, seus momentos pervertidos, de fumar escondido, de comer carne, de beber, de roubar dinheiro da bolsa da mãe. E transformou-se num grande ser humano. E a Cleo nasceu no mesmo dia que ele. Minha vida é cheia de coisas especiais, significativas. Não vou dizer que sou mística, mas tenho crenças e, dentro da minha lógica, as coisas estão todas ligadas.

QUEM: Você já se mudou do Rio de Janeiro por um tempo, por causa da violência na cidade. Mas a Cleo sai à noite, vai a vários eventos. Como é sua preocupação com ela e com seus outros filhos no que se refere à questão da segurança?
GP: Creio em Deus. Mas crer nele não quer dizer que Ele protegerá minha família, é óbvio. Sou kardecista e crio os meus filhos nessa religião. Todo domingo, nós fazemos o culto do lar, lemos e discutimos o Evangelho. Também trazemos os fatos do nosso cotidiano para essas reuniões. É claro que, durante esse momento, falamos de problemas. A violência não é um fato isolado, é um produto de uma série de coisas materiais e espirituais. Rezo e sei que nada acontece se não for a hora. Peço, sim, que os anjos protetores dos meus filhos estejam sempre presentes, que eles sejam bem orientados, que possam sempre dar o melhor deles, a melhor atitude, a melhor palavra.

QUEM: Andar com seguranças, por exemplo, não passa pela sua cabeça?
GP: Houve uma época em que andamos com seguranças, mas acho complicado, porque tira a liberdade. Minha avó sempre dizia que, para morrer, basta estar vivo. É um momento que pertence a Deus. Estamos todos aqui aprendendo, limpando carmas, tentando melhorar com as oportunidades que aparecem e, principalmente, com as dificuldades pelas quais temos que passar.

QUEM: Você moraria fora do Rio novamente?
GP: Já pensamos em sair do Rio outras vezes, não só por causa da violência, mas pela possibilidade de poder oferecer às crianças uma vida mais legal, mais tranqüila. Quando moramos em Goiânia, foi incrível. Quando moramos em Los Angeles, embora estivéssemos muito mexidos, também foi maravilhoso, porque tivemos um tempo nosso, uma vida muito normal, caseira mesmo. Ninguém sabia quem era a gente, então íamos ao supermercado, levávamos as crianças à escola, íamos à ginástica.

QUEM: Vocês foram morar em Los Angeles 'mexidos' por causa do boato, espalhado em meados de 1998, de que o seu marido, Orlando Morais, e a Cleo, então com 15 anos, se relacionavam como homem e mulher. Chegou-se a divulgar que você teria tentado o suicídio por causa disso. Como você olha para essa história hoje?
GP: Acho que as dificuldades são as melhores molas que a gente pode ter. É o tipo de coisa que nos faz aprender a saltar. Quanto mais alto o muro, mais você vai ter que se virar para ultrapassá-lo. É claro que não gostaria de me ver naquela situação kafkiana novamente. Mas, sem dúvida, todos nós saímos muito melhores daquilo. Hoje somos mais fortes, temos uma relação muito mais coesa do que já tínhamos e a nossa vida prática, do dia-a-dia, se abriu de uma maneira incrível, encontrou uma harmonia. É natural que, no momento do sofrimento, a gente tenha ódio, queira matar as pessoas, ir lá e furar pessoalmente cada olho, arrancar cada dente a sangue frio. Isso passou pela minha cabeça muitas vezes. Mas as coisas ruins estão numa outra esfera, não fazem parte da minha realidade.

'A rotina tenta engolir a gente todos os dias, e não tem receita para driblá-la.'

QUEM: O episódio acabou deixando uma marca positiva?
GP: Deixou, porque tínhamos um auxílio espiritual muito grande. Isso foi o que nos trouxe até aqui e nos fez ficar mais fortes, melhores, mais resistentes e com mais distanciamento. O que não é nosso fica do lado de fora da nossa casa.

QUEM: Você passou por dois abortos espontâneos, em 2000 e 2003. Foi uma fase difícil de superar?
GP: Foi difícil. A gente se apega, cria uma expectativa e, ao mesmo tempo, quando perde o bebê, fica uma sensação de culpa, como se não tivesse sido capaz de guardar aquela criança.

QUEM: Depois do segundo aborto, você engravidou novamente e teve o Bento, hoje com 2 anos. Não pensou em desistir de ter mais filhos?
GP: Antes de ter qualquer filho, eu imaginava que teria quatro. Tive a Cleo e fiquei muito sozinha com ela, então comecei a achar meio impossível esse sonho de ter quatro filhos, achei que não ia rolar. Quando conheci o Orlando, vi a relação dele com a família, percebi que era uma pessoa muito amorosa. Cinco anos depois, engravidei, tive a Antônia e foi incrível, porque ele realmente é um pai maravilhoso. Daí, voltei a pensar que podiam ser aqueles quatro filhos lá do início (risos).

QUEM: Mesmo depois dos abortos?
GP: Tínhamos escolhido o nome Bento para o segundo bebê que perdemos. Daí, fomos para Goiânia e eu estive em Brasília. Lá, visitei o Mosteiro de São Bento com uma prima do Orlando. É um lugar de uma pureza muito grande, no alto de uma colina. Não tinha desistido dos quatro filhos. Rezei e conversei muito com São Bento. Falei que aquele era um nome que eu adorava. Disse que, se fosse essa a nossa história, de ter mais uma criança, um menino, colocaria o nome de Bento, mesmo com o Orlando já tendo se manifestado contra, por ter ficado com aquela idéia de que Bento era o outro. Uns meses depois, engravidei e era menino. Você sabe que o Bento nasceu com uma mecha loura na cabeça?

QUEM: Como assim?
GP: Ele tem um sinal louro, quase branco. Quando nasceu, a gente não viu, mas, aos 5 meses de idade, raspei a cabeça dele - aliás, raspei a cabeça de todas as crianças aos 5 meses -, e aí percebi.

QUEM: Por que você raspou a cabeça deles?
GP: Para tirar o cabelo de recém-nascido, aqueles fiapos, uns grandes, outros pequenos. Todos passaram por isso. A Flora Gil diz que dou axé para os meus filhos ao raspar a cabeça deles, mas não sabia disso. Fazia pela questão estética mesmo. Quando chegou a vez do Bento, vi que naquele lugar a raiz era branca, parecia que nem tinha cabelo. Quando começou a crescer, era uma mecha loura.

QUEM: Você atribui algum significado espiritual a esse detalhe?
GP: Não sei. Algumas pessoas podem pensar que é uma malformação, outras que é um sinal. Mas um bom sinal.

QUEM: Você pretende ter mais filhos?
GP: Não, liguei as trompas. Realizei meu sonho.

QUEM: No ano que vem, em abril, você e o Orlando completam 20 anos de casados. Como se faz para um casal não ser engolido pela rotina?
GP: A rotina tenta engolir a gente todos os dias, e não tem receita para driblá-la. Acho que, basicamente, é a vontade de estar com aquela pessoa um segundo após ter a vontade de esganá-la (risos). A vontade de ficar com uma pessoa vem porque ela te dá muita coisa boa, porque é bom tê-la ao seu lado, porque ela te completa, dá força, é o seu esteio, o seu amigo, o seu amor, é a pessoa com quem você gosta de transar, para quem você quer contar os seus segredos...

QUEM: O sexo melhora com o passar do tempo?
GP: Pela minha experiência, melhora. Só o tempo traz algumas coisas. A confiança, por exemplo, é algo muito legal. Por mais que você sinta identificação com alguém, a intimidade e a confiança só virão com o passar dos anos.

QUEM: No ano que vem, você completará 40 anos de carreira na TV. Ainda tem o mesmo entusiasmo de antes ao compor um personagem?
GP: Tenho. Graças a Deus. Estou muito feliz com a minha carreira e não perdi o prazer de fazer novelas. Hoje há uma tecnologia maravilhosa, equipamentos incríveis, profissionais excelentes. Eu ia gravar Dancin' Days (novela de 1978) em Copacabana, trocava de roupa e me maquiava dentro de uma Kombi. Eu, Sonia Braga, todo mundo com os cabides tapando as janelas.

'A vontade de ficar com uma pessoa vem porque ela te dá muita coisa boa, porque te completa, é seu esteio, o seu amor...'

QUEM: Você já declarou que não gostou de fazer duas novelas: Partido Alto (1984), porque o autor não definiu bem a sua personagem, e O Rei do Gado (1996), porque suas falas se resumiam a três frases. Foram seus piores trabalhos?
GP: Não, teve outros (risos). Na verdade, Partido Alto não deixou uma marca boa, mas não foi de todo ruim porque eu tive a bênção de, no mesmo ano, fazer a minissérie O Tempo e o Vento. Foi puxado, porque eu gravava a novela no Rio e a série em Porto Alegre. Mas valeu a pena, salvou meu ano.

QUEM: Poderia citar o que realmente não valeu a pena?
GP: O que não valeu a pena não faz mais parte da minha vida. Na juventude, não temos a noção profunda da questão do tempo, tudo é para ontem. E tudo fica marcado. As mágoas são intensas, assim como as alegrias são de explodir. Com o amadurecimento, começamos a perceber que as coisas não são assim. O que foi ruim ficou para trás, está em outra esfera.

FOTO: DARYAN DORNELLES/ PRODUÇÃO: MÁRCIA MAIA/ ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: ANA PAULA MACIEL/ BELEZA: FERNANDO TORQUATTO

Fonte de pesquisa:
Quem acontece (04/04/2007)

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